quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Oito do Doze

Tem mais de 20 anos, mas eu me lembro dos flashes daquela manhã de quinta-feira como se fosse hoje. Era um dia de sol, vovó me acordou, me enfiou num uniforme de verão, me penteou e me colocou na mesa do café. Nosso apartamento era pequeno demais para aquele silêncio todo. Perguntei sobre mamãe e papai, a vovó respondeu que eles tinham ido para o hospital para ganhar o bebê.

Na porta do prédio, uma amiga da família me esperava dentro de um Fusca tão velhinho quanto claro. No caminho para a escola, não conversei. Ela falava comigo, mas eu estava pensando em como o bebê sairia da barriga da minha mãe. Quando cheguei à escola, a tia do maternal me deu bom dia e eu respondi “Bom dia, tia! Sabia que o meu irmão nasceu hoje?”. Mentira duas vezes. Meu irmão só nasceria uma hora depois e eu nem sabia mesmo se era um menino, mamãe se recusou a saber o sexo do bebê antes do parto.

Não lembro se brinquei, nem como voltei para casa. Quando cheguei, minha avó estava extasiada. Ela, que era séria e de vez em quando até rabugenta, naquele dia estava pendurada num sorriso gigante. Almoçamos, ela me deu banho, me vestiu com uma daquelas roupas que me faziam parecer uma boneca e saímos.

Quando chegamos ao hospital, os seguranças não queriam me deixar entrar por ser pequena demais. Vovó argumentou que tinha vindo de longe, que éramos só uma velha e uma menina querendo fazer uma visita, e entramos. No quarto, mamãe estava numa cama que eu achei muito alta, no canto tinha um sofá que eu achei muito sem graça e um berço que eu achei muito vazio. Minha mãe me beijou, mas estava esquisita, falando devagar, parecia estar com sono e a vovó disse que eu não podia ficar sentada perto dela. Claro que não ia adiantar me explicarem o que era uma cesariana e que anestesias deixam as pessoas fora do eixo.

Dali a pouco, entraram com um pacotinho que se mexia e o deixaram com a mamãe, que ria e o mostrava para vovó. Me esticava inteira, mas não via nada. Dali a pouco, subi os três degraus que ligavam o chão à cama e finalmente vi o bebê. Ele era lindo, bochechudo, cabeludo e confirmava tudo o que aprendi sobre crianças que saiam de barrigas: não sabia falar, andar, dançar e nem comer sozinho. Ou seja, eu, do alto dos meus dois anos, sete meses e dois dias, teria que ensinar tudo para ele. Levei isso a sério. Mais tarde, vovó diria que ele não andava e falava por minha causa, eu pegava tudo para o que ele apontava e descrevia tudo para o que ele olhava.

Não me lembro de quando ele foi para casa. Só sei que não podia agarrá-lo e ele foi crescendo sem gostar de ser agarrado, como qualquer sargitariano. Isso era uma situação difícil para uma taurina que, além de gostar de agarrar, era teimosa. Por isso, enquanto ele dormia, eu ia até o berço para ver como ele era bonito com os olhinhos fechados e fazer carinho. Sempre acabava com o indicador preso na palma da mãozinha dele.

Aprendi que se me jogasse no chão e fizesse palhaçada, ele parava de chorar. De verdade, ao longo desses anos que separam a manhã de hoje daquela outra, aprendi muito mais do que ensinei. Aprendi a dividir, a ser responsável por alguém, a entender que dá para amar desesperadamente mesmo sendo completamente diferente do outro e que ter alguém que chora as mesmas lágrimas conforta.

Não preciso contar que aquela criança, que foi um menino chorão com quem eu briguei demais, virou um homem maior que eu. Por mais que o tempo passe, que ele tenha barba e seja dono dos próprios passos, para mim, ele sempre será aquele bebê que eu vi entrar no quarto empacotado.

2 comentários:

  1. Que lindo... Adorei o texto, Pá!
    Bjks =]

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  2. RSrsrs

    Que lindo!

    Eu também ganhei um "um pacotinho que se mexia" um dia...

    ...Mas era uma menina...
    ...Que virou uma mulher maior que eu.

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